«Fazal Elahi observava atentamente o guitarrista, o modo como mexia os dedos, a rapidez com que eles percorriam as cordas, e pensava: Com licença, tento perceber a lógica daquela dança de dedos ao longo do braço da guitarra. De onde vêm aqueles movimentos? Um homem aprende um acorde, com a graça de Alá, pode pensar nisso e executá-lo, acho que sim, que pode, mas de onde vem a improvisação, aqueles gestos que se fazem sem que haja tempo para serem pensados? Uma pessoa pode saber tocar muitas músicas, mas de onde vem o improviso? Accha, é algo anterior à nossa decisão. Os braços mexem-se, os dedos saltam pelas cordas a uma velocidade impossível de acompanhar pela razão e não conseguimos mandar neles e dizer-lhes para irem por ali, eles têm vida própria. É como a dor, não é? É exactamente como a dor, seria bom que o mundo nos obedecesse e se ajoelhasse. Seria bom que esse mundo começasse dentro de nós, talvez aqui, no peito, aqui mesmo. Óptimo. Nós dizíamos à alma para não sofrer, para ser feliz, e era assim que nós ficaríamos, alegres, porque a alma obedecia, não era como os dedos a improvisar. Mas Alá sabe melhor.»
Para onde vão os guarda-chuvas
Afonso Cruz
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