domingo, 12 de janeiro de 2014

Página-a-página #85

«-Introdução: Tal Azizi acreditava que a alma de todos nós está dividida em duas, uma em cima, no céu, olhe lá para cima, e outra dentro do estômago, aqui, repare, Nachiketa Mudaliar, na barriga. Era um seguidor de filosofia de yahya ibn Habash as-Suhrawardi, Alá o tenha em sua gloria, e dizia que o mundo era como a luz a cair na terra e tudo eram gradações dessa luminosidade, desde as almas aos corpos de carne e osso. A maior parte dos ensinamentos de Tal Azizi foram escritos pelo barbeiro dele, um homem chamado Gardezi de Samarcanda, um nome a decorar. Repita comigo: Gardezi de Samarcanda. Muito bem, é isso mesmo, accha. O barbeiro Gardezi escreveu que a nossa essência era, não a nossa lama, mas a nossa falta de alma. É a ausência que nos faz mexer, é esse o nosso objectivo: aquilo que nos falta. Ora, esse movimento, em termos latos, não é outra coisa senão aquilo a que vulgarmente chamamos amor. Quando desejamos ser completos, desejamos com isso ser tudo.Ao juntarmo-nos com o objecto da nossa paixão, ficamos completos, perfeitos, infinitos. Está-me a ouvir Nachiketa Mudaliar? Infinitos. Tal Azizi dizia que nós somos esse desejo, e não uma coisa parada, possível de ser descrita por palavras. Para chegar a Deus, que é absolutamente Tudo, temos de nos esvaziar e passar a ser absolutamente Nada. Só assim o absolutamente Tudo poderá ter lugar para ser absolutamente Tudo dentro de nós.»
Para onde vão os guarda-chuvas
Afonso Cruz

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