segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Página-a-página #87

«-Ainda no outro dia - disse o americano -, dei a um miúdo um pequeno gravador de voz que usava para as entrevistas. Encontraram-no morto uns dias depois. Quem me contou foi um rapaz que presenciou o crime. Disse-me que a culpa era minha, que foi por causa do gravador. Agarrou-se às minhas roupas enquanto me dava pontapés nas canelas. Um homem que ia a passar agarrou no miúdo e empurrou-o. Ele desatou a correr e nunca mais o vi. O Bem é uma coisa muito difícil de fazer, Sr. Elahi. O Bem não é compatível com gravadores de voz. Quando não sabemos como os outros vivem, qualquer acção é perigosa. Isso deixa-nos sem saber como agir. Uma vez estive na selva, na América do Sul. Eu não podia fazer nada, não podia tocar em nada. O acto mais inocente, como tocar numa folha de árvore, poderia sentenciar a minha vida. Dar um passo poderia ser mortal. Um pequeno passo. Para os índios é fácil, sabem onde está o Bem e o Mal na selva. Para quem vem de fora é muito difícil.»

Para onde vão os guarda-chuvas
Afonso Cruz

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