domingo, 27 de julho de 2014

Página-a-página #150


«Mas, como acho que já vos escrevi, a minha viagem, aliás, qualquer viagem, é sempre feita de incompletude. Tal como a vida. Só que, e foi isso que senti de forma tão intensa a meio da ponte de Brooklyn, a incompletude, a saudade, a imperfeição são a única forma de não colocarmos um tecto à felicidade, de permitir que, não importa quão vasto o nosso horizonte, não importa quão grande o nosso triunfo, haja sempre mais para ver, mais para conseguir. Se calhar é por isso que a Terra é redonda; para impedir que, mesmo  contemplada da Lua, seja vista toda de uma vez.
Não podendo estar em todo o lado ao mesmo tempo e junto de todos com quero estar, aprendo a saber estar no aqui e agora. O truque é ter dentro de mim todos os lugares e pessoas. Hoje, sinto que resulta. E estando em Nova Iorque estou também em Berlim, Lisboa, Islamabad, nos Açores. E escrevendo isto sozinho, escrevo-o também na vossa companhia, e na companhia dos meus amigos e dos meus antigos amores.
Agora tenho de ir. Aqui há prédios com aldeias inteiras lá dentro, bairros que são verdadeiras cidades e pessoas com mundos dentro. E lá vou eu, queridos pais, pôr-me a andar, gastar as solas, ganhar horizontes, alimentar a alma.»
À espera de Moby Dick
Nuno Amado

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