«Dizem que ao fim de uns meses a viver na rua se acaba definitivamente marginalizado, porque se adquirem traços de indigente, perdemos a identidade e a rede social. No meu caso foi mais rápido, bastaram três semanas para ir ao fundo. Submergi-me com uma pavorosa rapidez nesta dimensão miserável, violenta, sórdida, que existe paralela à vida normal de uma cidade, um mundo de delinquentes e das suas vítimas, de loucos e de toxicodependentes, um mundo se solidariedade ou compaixão, onde se sobrevive pisando os outros. Estava sempre drogada ou à procura de meios para o estar, suja, malcheirosa e desgrenhada, cada vez mais enlouquecida e doente.
(...) Aprendi que os lugares mais seguros eram à vista de todos, mendigando com um copo de papel na rua à entrada de um centro comercial ou de uma igreja, o que disparava o sentido de culpa dos transeuntes. Alguns deixavam cair algumas moedas, mas ninguém falava comigo, a pobreza de hoje é como a lepra de antes, repugna e dá medo.»
O Caderno de Maya
Isabel Allende
Sem comentários:
Enviar um comentário