segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

Página-a-página #230

«-Já estou melhor.
Mas não estava, há anos que ficava cada vez pior, a rotina embacia-nos, torna-nos indefinidos, desfocados, fantasmas, máquinas, ao mesmo tempo que nos solidifica em estátuas de sal. A consciência da morte é que nos desperta dessa morte em que vivemos, que nos diz o que deveríamos ter feito, o que deixámos de fazer, a morte é um despertador, um despertador que nos acorda para a inviabilidade dos nossos erros. Trrrrim, trrrrim, morreremos em breve, temos de agir, de resistir. Não desistiremos. A solução seria termos uma caveira na mesinha-de-cabeceira, como fazem os monges cartuxos, para nos servir de despertador e todos os dias sabermos que temos de acordar, não para viver a rotina fatal do quotidiano, mas a vida apaixonada de alguém que ainda sabe que existem nuvens, céu e beijos.»
Flores
Afonso Cruz

Sem comentários:

Enviar um comentário