sábado, 19 de abril de 2014

Página-a-página #116


«Bom. Aqui a tens. Acho que tens medo de ser feliz, Emma. Acho que tu achas a progressão natural das coisas é a tua vida ser austera e cinzenta e sombria e tu odiares o teu trabalho, odiares o sítio onde vives, não teres sucesso nem dinheiro, nem, Deus proíba, um namorado. Na verdade, irei ainda mais longe e direi que acho que, de facto, sentes prazer na desilusão e no insucesso, porque é mais fácil, não é? O fracasso e a infelicidade são mais fáceis porque servem para contares como anedota. Estás a ficar irritada com isto? Aposto que sim. Pois bem, estou apenas a começar.
  Em, odeio pensar que estarás sentada nesse apartamento horrível com cheiros e barulhos esquesitos e lâmpadas nuas no tecto, ou sentada nessa lavandaria, e por sinal, nos dias que correm, não há qualquer razão para ires lavar a roupa a uma lavandaria self-service, as lavandarias self-service não são fixes nem políticas, são apenas deprimentes. Não sei, Em, tu és jovem, és praticamente um génio, e no entanto, a tua ideia de passar um bom bocado é mimares-te com uma lavagem automática. Pois eu acho que mereces mais. És esperta e divertida e bondosa (demasiado bondosa, na minha opinião) e de longe a pessoa mais esperta que conheço. (...) És deslumbrante, minha bruxa velha, e se eu te pudesse oferecer uma única coisa para o resto da tua vida, seria isto: Confiança. Seria a dádiva da confiança. Ou isso, ou uma vela perfumada.
  (...)Pelas tuas cartas e por te ter visto depois da tua peça, sei que, de momento, te sentes um bocadinho perdida em relação ao que fazeres com a tua vida, um bocado sem remos, nem leme, nem rumo, mas quanto a isso, tudo ok, tudo bem, porque é assim que deve ser quando se tem vinte e quatro anos. De facto, toda a nossa geração é assim. Li um artigo sobre isso, é porque nunca combatemos em guerra nenhuma ou por termos visto demasiada televisão, ou coisa assim. Seja como for, as únicas pessoas com remos e lemes e rumos são uns chatarrões cinzentos e uns quadrados e obcecados pelas carreiras...»

Um dia 
David Nicholls

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