«-primeiro foram as mãos, as pontas dos dedos... não é que fosse assim de ficar transparente no corpo como eu agora estou mesmo a ficar, e vê-se... no inicio, as mãos é que ficaram mais leves... e as dores de estômago desapareceram...
Odonatos virou as mãos para si mesmo e falava olhando só para elas
-um homem, quando fala dele mesmo, fala das coisas do inicio... como as infâncias e as brincadeiras, as escolas e as meninas, a presença dos tuas e as independências... e depois, coisa de ainda há pouco tempo, veio a falta de emprego, e de tanto procurar e sempre a não encontrar trabalho... um homem para de procurar para ficar em casa a pensar na vida e na família. no alimento da família. para evitar as despesas, come menos... um homem come menos para dar de comer aos filhos, como se fosse um passarinho... e aí me vieram as dores de estômago... e as dores de dentro, de uma pessoa ver que na crueldade dos dias, se não tem dinheiro, não tem como comer ou levar um filho ao hospital... e os dedos começaram a ficar transparentes... e as veias, e as mãos, os pés, os joelhos... mas a fome foi passando: foi assim que comecei a aceitar as minhas transparências... deixei de ter fome e me sinto cada vez mais leve... estes são os meus dias...»
Os transparentes
Ondjaki
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