«PROFUNDEZAS INCERTAS. Será que existe um segredo sob a superfície da actividade humana? Ou serão as pessoas tal e qual como se manifestam nos seus actos tão explícitos?
Pode parecer estranho, mas para mim a resposta muda com a luz que cai sobre a cidade e o Tejo. Se for a luz mágica de um dia vibrante de Agosto, capaz de produzir sombras claras de um recorte nítido, a ideia de uma profundidade humana subjacente e oculta parece-me estranha como um fantasma curioso e, de algum modo eternecedor, qualquer coisa como uma miragem que se materializa quando me ponho a olhar longa e fixamente as ondas que cintilam nessa mesma luz. Se, pelo contrário, a cidade e o rio surgirem iluminados por uma cúpula de luz difusa e acinzentada num dia turvo de Janeiro, então não conheço maior certeza do que esta: a de que toda a actividade humana não passa de uma manifestação incompleta, para não dizer ridiculamente incipiente, de uma vida interior oculta e de uma profundidade imprevista, que assoma à superfície sem jamais, em momento algum, a alcançar.
(...)»
Comboio nocturno para Lisboa
Pascal Mercier
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