«Um estranho costumava visitá-lo amiúde. Cheirava a tabaco e a água-de-colónia, dois artigos que pouca circulação naquela época. Sentava-se numa cadeira a seu lado e fitava-o com um olhar impenetrável. O cabelo era preto como alcatrão, os traços do rosto, aquilinos. Quando se apercebia de que o doente estava acordado, sorria-lhe.
-O senhor é Deus ou o diabo? - perguntou-lhe o moribundo uma vez.
O estranho encolheu os ombros, reflectindo na pergunta.
-Um pouco de ambos - acabou por responder.
-Eu, por princípio, sou ateu - informou o doente. - Ainda que, na verdade, tenha muita fé.
-Como muita gente. Agora, repouse, caro amigo. O céu pode esperar. E o inferno parece-me pequeno.»
O Prisioneiro do Céu
Carlos Ruiz Zafón
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