«-Se os homens vivessem eternamente, sem nunca desaparecerem deste mundo, sem nunca envelhecerem nem perderem a saúde, acreditas que se davam ao trabalho de queimar os neurónios a pensar nisto e naquilo, como nós fazemos? Quero dizer, nós reflectimos sobre tudo e mais alguma coisa: filosofia, psicologia, lógica. Religião. Literatura. Acreditas realmente que se a morte não existisse, essas ideias e esses conceitos tão complicados não estariam condenados a desaparecer da face da Terra? (...) Quero dizer... o que eu penso é que as pessoas são obrigadas a reflectir sobre o significado da vida precisamente porque sabem que acabam por morrer um dia. Certo? Quem é que se daria ao trabalho de pensar a sério sobre o facto de estar vivo, se soubesse que continuaria a viver tranquilamente para sempre? Qual seria a necessidade? Ou então, mesmo que a necessidade de reflectir fosse real, o mais certo era as pessoas acabarem por dizer: "Tudo bem, ainda tenho muito tempo pela frente. Deixo isso para mais tarde." Mas as coisas, na realidade, não são assim. Temos obrigações de pensar neste instante, aqui e agora. Quem é que me diz que amanhã à tarde não vou morrer atropelada por um camião? E tu, senhor Pássaro de Corda, sabes lá se dentro de três dias não acabas morto no fundo de um poço? Estás a ver onde quero chegar? Ninguém sabe o que se vai passar. Por isso é que, dê lá por onde der, precisamos da morte. É o que nos faz seguir em frente. É assim que eu penso. Quanto mais viva e mais forte for a presença dessa realidade forte e viva a que chamamos morte, mais seremos obrigados a queimar os miolos a pensar nela.»
Crónica do Pássaro de Corda
Haruki Murakami
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