domingo, 31 de agosto de 2014

Página-a-página #156

«Mas, o que quero dizer, sabe, é que a morte é incompreendida. Perder a vida não é a maior perda. Não é perda nenhuma. Para os outros, talvez, mas não para nós. Do nosso ponto de vista, a experiência é simplesmente interrompida. Do nosso ponto de vista, não há  perda. Está a ver? E, no entanto, talvez isto também seja um jogo de palavras, porque não a torna menos assustadora, pois não? O que realmente me mete medo é o tempo. É esse o verdadeiro demónio: empurrando-nos à chicotada quando preferíamos molengar, de tal forma que o presente passa a correr, impossível de agarrar, e, de súbito, tudo é passado, um passado que se recusa a ficar quieto, que se dilui nestas histórias imaginárias. O meu passado não me parece de todo real. A pessoa que o habitou não sou eu. É como se o meu ser presente estivesse em permanente dissolução. Há aquela frase de Heraclito: "Nenhum homem se banha duas vezes no mesmo rio, porque o rio não é o mesmo e ele não é o mesmo homem". É precisamente isso. Usufruímos dessa ilusão de continuidade e chamamos-lhe 'memória'. O que explica, talvez, que o nosso pior medo não seja o fim da vida, mas o fim das memórias. Isto faz sentido? Parece-lhe razoável? Insano?»
Os imperfeccionistas
Tom Rachman

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