quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

Página-a-página #104


«A vida do homem dura em média oitenta anos. É contando com esta duração que cada um imagina e organiza a sua vida. O que acabo de dizer é uma coisa que toda a gente sabe, mas raramente nos damos conta de que o número de anos que nos é atribuído não é um simples dado quantitativo, uma característica exterior (como o comprimento do nariz ou a cor dos olhos), mas faz parte da própria definição do homem. Alguém que pudesse viver, com toda a sua força, duas vezes mais tempo, portanto, digamos, cento e sessenta anos, não pertenceria à mesma espécie que nós. Já nada seria semelhante na sua vida, nem o amor, nem as ambições, nem os sentimentos, nem a nostalgia, nada. Se um emigrado, depois de vinte anos vividos no estrangeiro, regressasse ao país natal com cem anos de vida à sua frente, pouco experimentaria da emoção de um Grande Regresso, provavelmente para ele 
isso nada teria de um regresso, não passando de mais de uma das voltas do longo percurso da sua existência.
Porque a própria noção de pátria, no sentido nobre e sentimental da palavra, liga-se à relativa brevidade da nossa vida, que nos proporciona muito pouco tempo para que nos apeguemos a outro país, a outros países, a outras línguas
A ignorância
Milan Kundera

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