quinta-feira, 30 de maio de 2013

Página-a-página #42


«Quantas vezes, presa da superfície e do bruxedo, me sinto homem.Então convivo com alegria e existo com clareza. Sobrenado. E é-me agradável receber o ordenado e ir para casa.Sinto o tempo sem o ver, e agrada-me qualquer coisa orgânica. Se medito, não penso. Nesse dia gosto muito dos jardins.
Não sei que coisa estranha e pobre existe na substância íntima dos jardins citadinos que só posso sentir bem quando me não sinto bem a mim. Um jardim é um resumo da civilização - uma modificação anónima da Natureza. As plantas estão ali, mas há ruas - ruas. Crescem árvores, mas há bancos por baixo da sua sombra. No alinhamento virado para os quatro lados da cidade, ali só largo, os bancos são maiores e têm quase sempre uma abundância de pouca gente.
(...) 
Estou liberto e perdido.
Sinto. Esfrio febre. Sou eu.»
67.
Livro do desassossego
Bernardo Soares

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