sábado, 27 de fevereiro de 2016

Uma boa história nunca acaba #148


The Danish girl (2015). Biografia. Drama. Romance. Dinamarca, década de 1920. O casal Einar e Gerda Wegener são dois pintores reconhecidos. Um dia, por mero acaso, a rapariga que Gerda contratou para retratar nas suas pinturas cancela o encontro. Sem alternativa, lembra-se de usar o próprio marido como modelo. Ele acede ao seu pedido. Será naquele momento que ele, usando roupas de mulher, sente nascer dentro de si algo que, com o passar do tempo, se transformará no mais intenso desejo da sua vida: ser mulher. Se, ao princípio, isto lhes parece a ambos uma espécie de jogo, aos poucos leva-o a uma lenta transformação numa outra pessoa, que o obriga a viver uma vida dupla enquanto Einar ou Lili – o nome adoptado na sua “persona” feminina. Até que ele decide arriscar uma cirurgia experimental na Alemanha para mudar de sexo, tornando-se na primeira pessoa a submeter-se a uma intervenção do género. Ao longo de dois anos, Lili Elbe foi operada cinco vezes. No final deste processo, solicitou ao rei da Dinamarca que dissolvesse o seu casamento. O pedido foi concedido em 1930, altura em que conseguiu ver legalizada a sua nova identidade. Durante todo o processo, Gerda esteve sempre ao seu lado… Sem dúvida um filme tocante, perturbador e que merece, na minha opinião, a nomeação para os Óscares. Muito bom. Recomendo!

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

Uma boa história nunca acaba #147


Room (2015). Drama. Com apenas cinco anos de idade, Jack não faz ideia de que o quarto onde sempre viveu é o lugar onde a mãe tem sido mantida prisioneira durante os últimos sete anos. Apesar de a criança ser fruto de uma violação, ele tem sido a força que tem mantido a rapariga viva. Com esforço, ela tenta, de todas as formas, proporcionar-lhe uma vida “normal”, fazendo Jack acreditar que aquele lugar é o mundo inteiro e que o que vêem através do ecrã da televisão nada mais é do que uma fantasia. Quando o captor os informa de que foi despedido e que em breve deixará de poder trazer-lhes mantimentos, a mãe entra em pânico. Decidida a encontrar um modo de garantir a sobrevivência de Jack, arranja uma forma de ele escapar. E é assim que ele informa a polícia e ela é encontrada e libertada. Porém, quando mãe e filho se encontram fora daquele espaço, vão perceber que, de tão habituados à clausura, a liberdade pode ser quase tão aterradora como a total ausência dela… Um filme que não me deixou de todo indiferente. Penso que trata de assuntos bastante filosóficos no que diz respeito à liberdade individual de cada um. Sem dúvida que este blog recomenda!

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

Página-a-página #237

«-As crianças precisam é de comer - disse o mordomo, que acabara de entrar. -Para crescerem fortes.
Wilhelm agitou-se ao colo do pai. O coronel, fê-lo encostar a cabeça ao ombro. Wilhelm ficava sempre ligeiramente agitado quando via o mordomo.
-Há muitos tipos de comida - disse o coronel Mõller enquanto abanava o filho. -Um homem possui três estômagos: um na barriga, outro no peito e outro na cabeça. O da barriga, toda a gente sabe para que serve; o do peito mastiga a respiração, que é a nossa comida mais urgente. Uma morre sem ar muito mais depressa do que sem água e pão. E por fim há o estômago da cabeça, que se alimenta de palavras e de letras. Os primeiros dois estômagos do homem alimentam-se através da boca e do nariz, ao passo que o terceiro estômago se alimenta principalmente através dos olhos e dos ouvidos, apesar de usar tudo o resto de um modo mais subtil.
-Para mim - disse o mordomo -, as palavras são uma grande palermice.»

O Pintor debaixo do Lava-Loiças
Afonso Cruz

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

Uma boa história nunca acaba #146


Brooklyn (2015). Drama. Romance. Este filme conta-nos a profundamente emocionante história de Eilis Lacey, uma jovem imigrante irlandesa que atraída pela promessa do sonho americano, troca a Irlanda e o conforto da casa da sua mãe, pelos bairros de Brooklyn de 1950. As iniciais saudades que a mantinham acorrentada diminuem com o surgimento de um novo romance, que impele Eilis para o encanto inebriante do amor. Mas rapidamente a sua nova vivacidade é interrompida pelo seu passado, e Eilis tem de escolher entre dois países e as vidas que cada um oferece. Pessoalmente gostei bastante de todo o cenário e época retratados. O tema deste filme é a emigração, o ter que deixar a família e os amigos para trás em busca de uma vida melhor e o ter de começar uma nova vida longe de tudo a que estamos habituados. É um tema que me diz bastante e por isso gostei muito do filme. Contudo se não se identificarem com o tema podem sempre usar a desculpa de que é um filme com muitas nomeações aos óscares. Seja como for não deixem de ver. Fica a sugestão!

sábado, 13 de fevereiro de 2016

Página-a-página #236

«-Os segredos têm poder - começa Widget. - E esse poder diminui quando eles são partilhados, por isso, o melhor é guardá-los e guardá-los bem. Dividir segredos, segredos a sério, aqueles importantes, mesmo que seja só com uma pessoa, torna-os diferentes. Escrevê-los é pior, porque quem é que sabe a quantidade de olhos que os pode ver escritos no papel, por muitos cuidados que se tenha com isso. Por isso, realmente o melhor é guardares segredos quando os tens, tanto para o bem deles, como para o teu.
Em parte, esta é a razão por que existe menos magia no mundo de hoje. A magia é um segredo e os segredos são mágicos, no fim de contas. Anos após anos a ensinar e a partilhar a magia e coisas piores, descrevendo-a em livros todos pomposos que ficam cheios de pó com a idade, fê-la decrescer, tirou-lhe o poder lentamente. Talvez fosse uma coisa que estivesse destinada a acontecer, mas não era inevitável. Todos cometem erros.»
O Circo dos Sonhos
Erin Morgenstern

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

Página-a-página #235

«(...) É a maior tragédia, com que o destino pode castigar o homem. O desejo de ser outro, diferente daquilo que somos: não pode arder um desejo mais doloroso no coração humano. Porque não é possível suportar a vida de outra maneira, apenas sabendo que nos conformamos com aquilo que significamos para nós próprios e para o mundo. Temos de nos conformar com aquilo que somos e de ter consciência, quando nos conformamos, de que em troca dessa sabedoria, não recebemos elogios da vida, não nos põem no peito nenhuma condecoração por sabermos e aceitarmos que somos vaidosos ou egoístas, carecas e barrigudos -não, temos de saber que por nada disso recebemos recompensas, nem louvores. Temos de suportar, o segredo é isso. Temos de suportar o nosso carácter, o nosso temperamento, já que os seus defeitos, egoísmos e avidez, não nos mudam nem a experiência, nem a compreensão. Temos de suportar que os nossos desejos não tenham plena repercussão no mundo. Temos de suportar que as pessoas que amamos, não nos amem, ou que não nos amem como gostaríamos. Temos de suportar a traição e a infidelidade, e o que é o mais difícil entre todas as tarefas humanas, temos de suportar a superioridade moral ou intelectual de uma outra pessoa.»
As velas ardem até ao fim
Sándor Márai 

terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

Uma boa história nunca acaba #145


Mau Mau Maria (2014). Comédia. Drama. Romance. Os irmãos Pedro, António e João deparam-se com o maior desafio das suas vidas. Faustino Maria, o pai, decidiu que apenas lhes será atribuída a herança se, no prazo de sete semanas, encontrarem uma mulher com quem possam constituir família. Para o acordo ser validado, elas terão de ser bem-intencionadas, desinteressadas e, acima de tudo, boas companheiras. Pedro Maria, incapaz de conter o desespero, descobre na sua melhor amiga a aliada perfeita para encontrar a moça adequada; António Maria, o mais confiante e sedutor da família, dá início a uma verdadeira demanda para encontrar o seu par; João Maria, o mais inconsequente dos três, acaba por inesperadamente dar de caras com uma mulher que, muito possivelmente, será a solução do problema de todos. Com o relógio a contar as horas e com os dias e as semanas a passarem velozmente, cada um terá de encontrar a pessoa perfeita para que, juntos, consigam satisfazer o mais profundo desejo do progenitor: ver todos os filhos felizes e bem acompanhados na vida... Desta vez trago para aqui para o blog mais um filme português, não por achar que é um filme espectacular mas precisamente por ser um filme português, e que por isso merece destaque. Com esta chuvinha de Carnaval pode ser uma boa alternativa para uma tarde de cinema. Fica a sugestão!

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

Página-a-página #234

«-Era bom saber - continua, como se discutisse consigo próprio -, se existe amizade realmente? Não me refiro àquele prazer ocasional que faz com que duas pessoas fiquem contentes porque se encontraram, porque um determinado período das suas vidas pensavam da mesma maneira sobrecartas questões, porque os seus gostos são semelhantes e os seus passatempos iguais. Nada disso é amizade. às vezes, chego a pensar que essa é a relação mais forte na vida... talvez por isso seja tão rara. E o que há no seu fundo? Simpatia? É uma palavra imprópria, sem sentido, o seu conteúdo não pode ser suficientemente forte para que duas pessoas intervenham em defesa um do outro nas situações mais críticas da vida... apenas por simpatia? Talvez seja outra coisa?... Talvez exista uma pitada de Eros no fundo de todas as relações humanas? 
(...) O Eros da amizade não precisa do corpo... longe disso, incomoda mais do que o excita. Porém não deixa de ser Eros. Eros está no fundo de todos os afectos, de todas as relações humanas.»
As velas ardem até ao fim
Sándor Márai

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

Página-a-página #233

«Levei o senhor Ulme a passear. Estava a chover, abri um guarda-chuva e prendi-o na cadeira de rodas, abri outro para mim. Recordei o que ele costumava dizer dos guarda-chuvas:
"Creio que o guarda-chuva é uma excelente invenção. Repare: não é um objecto que acabe com a chuva, é sim algo que evita a chuva individualmente. Não gosto dela, mas não acabo com ela, não a destruo. O guarda-chuva é uma filosofia que usamos no quotidiano. A água continua a cair nos campos, apenas evito que me estrague o penteado. É um objecto bondoso, que não magoa ninguém."
Não há muita coisa assim. »
Flores
Afonso Cruz

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

Fevereiro #27

Hoje não é o dia. A cidade não acordou virada para o mar. As gaivotas não acordaram as areias da praia. E o vento tristemente não baila nas árvores. Hoje a cidade acordou num impulso matutino, abeirou-se da varanda, ia abrir os pulmões à luz do novo dia mas as ruas estavam diferentes. A luz que se queria entranhar pelo seu corpo não era a luz branca que percorreu calçadas e ruelas na história deste povo. Não se ouvia o pulsar dos coraçoes num novo dia que começa. A cidade tinha-se transfigurado. Era já outra coisa em que não se reconhecia. Fechou os olhos, susteu a respiraçao e voltou a fechar-se em casa. A cidade queria manter a própria cidade que desde sempre conheceu no coraçao, e não impregnar desta nova substância. Ela era pura e via-se em estado contaminado fora da janela. Cada cidade tem o seu lugar neste mundo, esse contexto pertence-lhe e será sempre o único a dar-lhe existência. Uma cidade noutro lugar nunca será cidade, ou melhor, será uma cidade sem alma. Hoje não é o dia. Mas amanhã pode já nem sequer haver luz. E quem diz cidade, diz o homem.

Alexandra Oliveira Villar