quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Página-a-página #69


«-Olhe, tudo isso são caganifâncias. O casamento e a família não são mais do que aquilo que fazemos deles. Sem isso, não são mais do que uma caterva de hipocrisias. Ninharias e palavreado. Mas, se há amor de verdade, do qual nunca se fala nem se apregoa aos quatro ventos, do que se nota e se demonstra...
-O senhor parece-me um homem novo, Fermín.
-É o que sou. A Bernarda fez-me desejar ser um homem melhor do que sou.
-Porquê?
- Para a merecer. O Daniel agora não percebe isso, porque é jovem. Mas com o tempo verá que o que conta às vezes não é o que se dá, mas sim o que se cede.
(...)»
A Sombra do Vento
Carlos Ruiz Zafón

terça-feira, 29 de outubro de 2013


Página-a-página #68

«-Este país foi-se por água abaixo - disse, desmontando já da sua oratória colossal.
-Vamos, anime-se, don Anacleto. É que as coisas sempre assim foram, aqui e em todo o lado; o que acontece é que há momentos baixos e quando nos tocam de perto vê-se tudo mais negro. Vai ver que don Federico arrebita, que é mais forte do que todos pensamos. 
O catedrático abanava dissimuladamente a cabeça.
-É como a maré, sabe? - dizia, absorto. - A barbárie, quero eu dizer. Vai-se e a pessoa julga-se a salvo, mas volta sempre, volta sempre... e afoga-nos. Eu vejo isso todos os dias no instituto. Valha-me Deus. Símios, é o que me aparece nas aulas. Darwin era um sonhador, garanto-lhe. Nem a evolução nem coisa que se pareça. Por cada um que raciocina, tenho de lidar com nove orangotangos
A Sombra do Vento
Carlos Ruiz Zafón

terça-feira, 22 de outubro de 2013


Página-a-página #67


«- A televisão, amigo Daniel, é o Anticristo, e digo-lhe que bastarão três ou quatro gerações para que as pessoas não saibam nem dar peidos por sua conta e o ser humano regresse às cavernas, à barbárie medieval e a estados de imbecilidade que a lesma já ultrapassou lá para o pleistoceno. Este mundo não morrerá de uma bomba atómica, como dizem os jornais, morrerá de riso, de banalidade, fazendo uma piada de tudo, e aliás uma piada sem graça.»
A Sombra do Vento
Carlos Ruiz Zafón

domingo, 20 de outubro de 2013


Página-a-página #66


«- O seu amigo Tomás tem talento, mas falta-lhe direcção na vida e um pouco de descaramento, que é o que faz carreira - opinava Fermín Romero de Torres. - A mente cientifica tem destas coisas. Senão, veja Albert Einstein. Tanta invenção de prodígios e o primeiro para o qual encontraram aplicação prática é a bomba atómica, e ainda por cima sem a sua autorização. Além disso, com aquele aspecto de pugilista que o Tomás tem, vão levantar-lhe muitas dificuldades nos círculos académicos, porque nesta vida a única coisa que fala de cátedra é o preconceito.»

A Sombra do Vento
Carlos Ruiz Zafón

sábado, 12 de outubro de 2013


Uma boa história nunca acaba #62


The blind side (2009). Biografia. Drama. DesportoMichael Oher, um adolescente sem abrigo que sobrevive como pode, é avistado na rua por Leigh Anne Tuohy. Esta, reconhecendo-o como colega de escola da sua filha, insiste para que ele saia do frio, dado que é pleno Inverno e Michael está de calções e t-shirt. Sem hesitar, Leigh convida-o a passar a noite na sua casa. O que começou como um gesto de ternura, tornou-se em algo mais, quando Michael passou a fazer parte da família Tuohy. Vivendo neste novo ambiente, o rapaz encontra desafios completamentes diferentes daqueles que tinha. À medida que o tempo foi passando, Michael começou a descobrir o seu potencial (não só como jogador de Futebol Americano), e a sua presença no seio dos Tuohy levou-os a descobrirem um pouco mais sobre eles próprios. Um filme sobre entre-ajuda, família e as pequenas coisas que fazem toda a diferença.

sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Uma boa história nunca acaba #61

«Say yes to life!»

Yes Man (2008). Zooey Deschanel. Jim Carrey. Comédia. Romance. Este é um daqueles filmes que, depois de ver, nos faz querer dizer sim à vida. Que nos faz querer aproveitar cada oportunidade para tornar cada instante diferente. No filme, é obviamente um conceito levado ao extremo mas talvez seja esse o objectivo para captar a atenção do espectador: que o faça ver que basta estar aberto a novas coisas e dizer que sim mais vezes para que o dia-a-dia não caia na monotonia e seja especial porque cada oportunidade desperdiçada é menos uma oportunidade de fazer a diferença... Aconselho!







segunda-feira, 7 de outubro de 2013


Página-a-página #65


«Quando passei de novo pelo Boulevard da Redoute restava-me apenas uma saudade amarga. Dizia para comigo: "Talvez não preze nada no mundo como o sentimento de aventura. Mas ele vem quando quer; e abandona-me tão depressa! E fico tão seco quando se vai embora. Far-me-á ele estas curtas visitas irónicas para me mostrar que falhei na vida?" Atrás de mim, na cidade, pelas grandes ruas direitas, à luz fria dos candeeiros, um formidável acontecimento social agonizava: era o fim de domingo.
(...) Decididamente, o sentimento de aventura não vem dos acontecimentos: a prova está tirada. É antes a maneira como os instantes se encadeiam. Eis, creio eu, o que sepassa: bruscamente sente-se que o tempo corre, que cada instante conduz a outro instante, esse outro a um terceiro, e assim sucessivamente; que todos os instantes se aniquilam, que é inútil tentar reter algum, etc, etc. »
Segunda-feira
A Náusea
Jean-Paul Sartre

Thomas Dybdahl - But We Did


domingo, 6 de outubro de 2013

Página-a-página #64


«Eis o que pensei:para o acontecimento mais banal se tornar uma aventura, é preciso, e é bastante, que nos punhamos a contá-lo. É o que engana as pessoas: um homem é sempre um narrador de histórias: vive cercado das suas histórias e das de outrem  vê tudo quanto lhe sucede através delas; e procura viver a sua vida como se estivesse a contá-la.
Mas é preciso escolher: viver ou contá-la.
(...) Quando se vive, não sucede nada. Os cenários mudam, as pessoas entram e saem  é tudo. Nunca há princípios. Os dias sucedem aos dias, sem tom nem som; é um alinhamento interminável e monótono.
(...) Viver é isto. Mas quando se conta a nossa vida, tudo muda; somente, é uma mudança que ninguém nota: a prova é que se fala de histórias verdadeiras. Como se pudesse haver histórias verdadeiras! Os acontecimentos produzem-se num sentido e contamo-los no sentido inverso. (...)»
Sábado, meio-dia
A náusea
Jean-Paul Sartre

Um desafio por mês #11