terça-feira, 19 de março de 2013

Personalidades #8


Karel Appel (1921-2006). Pintor, escultor e poeta. Nasceu a 25 de Abril de 1925 na Holanda. Aos catorze anos produziu a sua primeira pintura sobre tela. Com influencias de Pablo Picasso e Henri Matisse, Appel começou a esculpir com todo o tipo de materiais e cores vivas. Fez parte do Groep Experimentele na Holanda. Mudou-se para Paris em 1950 onde desenvolveu a sua reputação internacional. É particularmente conhecido pelo seu trabalho moral e viveu em Nova Yorque e Florença. Acabou por morrer na sua casa da Suiça devido a problemas cardiacos.



O belo e a consolação #1


 Karel Appel, pintor.


segunda-feira, 18 de março de 2013

Página-a-página #37


«(...)que, exactamente porque o Lager é uma grande máquina para nos reduzir a animais, nós não devemos tornar-nos animais; que também neste lugar se pode sobreviver, e por isso é preciso querer sobreviver, para contar, para testemunhar; e que para viver é importante esforçarmo-nos para salvar pelo menos o esqueleto, os pilares, a forma da nossa civilização. Que somos escravos, privados de qualquer direito, expostos a qualquer injúria, condenados quase com certeza à morte, mas que uma faculdade nos restou, e temos de a defender com todo o vigor porque é a nossa última: a faculdade de negar o nosso consentimento. Temos, portanto, sem dúvida de lavar a cara sem sabão, na água suja, e limparmo-nos ao casaco. Temos de engraxar os sapatos, não porque a tal obriga o regulamento, mas por dignidade e por propriedade. Temos de caminhar direitos, sem arrastar as socas, certamente não em homenagem à disciplina prussiana, mas para nos mantermos vivos, para não começarmos a morrer.»

Iniciação
Se isto é um homem
Primo Levi

Página-a-página #36



«Se fôssemos capazes de raciocinar, deveríamos resignar-nos a esta evidência, de que o nosso destino é perfeitamente impossível de conhecer, de que qualquer conjectura é arbitrária e perfeitamente carente de qualquer fundamento real. Mas os homens só muito raramente são capazes de raciocinar quando o que está em jogo é o seu próprio destino; preferem em todos os casos as posições extremas; por isso, conforme os seus caracteres, entre nós uns convenceram-se imediatamente de que tudo está perdido, que aqui não é possível viver e que o fim é inevitável e próximo; outros convenceram-se de que, apesar da extrema dureza da vida que nos espera, a salvação é provável e não está longe e, se tivermos fé e força, voltaremos a ver as nossas casas e as pessoas amadas. As duas classes, dos pessimistas e dos optimistas, não são porém tão distintas: não porque os agnósticos sejam muitos, mas porque a maioria, sem memória nem coerência, oscila entre as duas posições-limite, conforme o interlocutor e o momento.»

No fundo
Se isto é um homem
Primo Levi

Página-a-página #35


«E aprendemos mais coisas ainda, mais ou menos rapidamente, conforme o carácter de cada um; a responder "Jawohl", a não fazer perguntas, a fingir sempre ter percebido. Aprendemos o valor dos alimentos; agora, também já raspamos cuidadosamente o fundo da marmita depois do rancho, e mantemo-la debaixo do queixo ao comermos o pão para não desperdiçar as migalhas. Também sabemos que não é a mesma coisa receber a concha de sopa da superfície ou do fundo da selha, e já somos capazes de calcular, na base da capacidade das várias selhas, qual o lugar mais conveniente onde ficar no momento de ir para a bicha.
Aprendemos que tudo serve; o arame, para apertar os sapatos; os farrapos, para fazermos deles panos para os pés; o papel, para forrar o casaco (abusivamente) contra o frio. Aprendemos, por outro lado, que tudo pode ser roubado, ou melhor, é automaticamente roubado, mal a atenção diminui; e para o evitar tivemos de aprender a arte de dormir com a cabeça apoiada num embrulho feito com o casaco e contendo tudo o que possuímos, desde a marmita até aos sapatos.»

No fundo
Se isto é um homem
Primo Levi

terça-feira, 12 de março de 2013

Página-a-página #34


«...chegámos ao fundo. Mais para baixo do que isto, não se pode ir: não há nem se pode imaginar condição humana mais miserável. Já nada nos pertence: tiraram-nos a roupa, os sapatos, até os cabelos; se falarmos, não nos escutarão e, se nos escutassem, não nos perceberiam. Tirar-nos-ão também o nome: se quisermos conservá-lo, teremos de encontrar dentro de nós a força para o fazer, fazer com que, por trás do nome, algo de nós, de nós tal como éramos, ainda sobreviva.
Sabemos que, quanto a isto, dificilmente nos compreenderão, e é bom que assim seja. Mas considere cada um quanto valor, quanto significado está contido mesmo nos nossos mais pequenos hábitos quotidianos, nos nossos mil objectos que até o mendigo mais humilde possui: um lenço, uma velha carta, a fotografia de uma pessoa amada. Estas coisas fazem parte de nós, quase como se fossem membros do nosso corpo; não podemos sequer pensar em sermos privados delas, no nosso mundo, pois imediatamente encontraríamos outras para substituir as velhas, outros objectos que são nossos porquanto guardam e suscitam memórias nossas.»

No fundo
Se isto é um homem
Primo Levi

segunda-feira, 4 de março de 2013

Pagina-a-página #33


«Siddhartha aprendeu coisas novas a cada passo do seu caminho, pois o mundo estava transformado e o seu coração estava enfeitiçado. Viu o sol nascer para lá das montanhas da floresta e pôr-se para lá de praias distantes, orladas de palmeiras. Viu à noite as constelações no céu e o crescente da lua, semelhante a um barco navegando no azul. Viu árvores, estrelas, animais, nuvens, arco-íris, penhascos, erva, flores, ribeiros e rios, o orvalho nos arbustos pela manhã, grandes montanhas distantes azuis e brancas, aves a cantar e abelhas, o sopro de prata do vento pelos arrozais. (...) Mas agora os seus olhos libertos demoravam-se sobre todas estas coisas, via e reconhecia o mundo visível  procurava um lar nesse mundo, não procurava essência, não apontava alvos distantes. O mundo era belo quando visto desta maneira, tão sem desejos, tão simples, tão inocente. A lua e as constelações eram belas, o regato e a sua margem, a floresta e o rochedo, a cabra e o escaravelho dourado, a flor e a borboleta eram belos.»

Siddartha
 um poema indiano
Hermann Hesse

domingo, 3 de março de 2013

Página-a-página #32


«Vós que viveis tranquilos
Nas vossas casas aquecidas,

Vós que encontrais regressando à noite

Comida quente e rostos amigos:

Considerai se isto é um homem

Quem trabalha na lama
Quem não conhece a paz
Quem luta por meio pão
Quem morre por um sim ou por um não.
Considerai se isto é uma mulher,
Sem cabelo e sem nome
Sem mais força para recordar
Vazios os olhos e frio o regaço
Como uma rã no Inverno.
Meditai que isto aconteceu:
Recomendo-vos estas palavras.
Esculpi-as no vosso coração
Estando em casa, andando pela rua,
Ao deitar-vos e ao levantar-vos;
Repeti-as aos vossos filhos.
Ou que desmorone a vossa casa,
Que a doença vos entrave,
Que os vossos filhos vos virem a cara.»


Se isto é um Homem
Primo Levi

Isto é matemática #19



A multiplicação e uma nova tabuada 

Isto é matemática #18


A lógica é fofinha