sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Página-a-página #27


« Considera-se que a civilização europeia assenta na razão. Mas poderia igualmente dizer-se que a Europa é uma civilização do sentimento: fez nascer o tipo humano a que gostaria de chamar o homem sentimental: homo sentimentalis.
(...) Bettina pensa como Santo Agostinho quando escreve a Arnim: "Descobri um belo provérbio: o amor verdadeiro tem sempre razão, mesmo quando erra. Lutero, pelo seu lado, diz numa carta: o amor verdadeiro é muitas vezes injusto. O que não me parece tão bom como o meu provérbio. Noutro lugar, Lutero dizia, porém: o amor vem antes de tudo, antes até do sacrifício, antes até da oração. Daqui concluo que é o amor a virtude suprema. O amor faz-nos perder a consciência do terrestre e enche-nos do que é celeste; é assim que o amor nos liberta de toda a culpa."
Nesta convicção de que o amor inocenta o homem assenta na originalidade do direito europeu e da sua teoria da culpabilidade, que leva em consideração os sentimentos do acusado: se matarmos alguém a sangue-frio, por dinheiro, não temos desculpa; se matarmos alguém que nos ofendeu, a nossa cólera servir-nos-à de circunstância atenuante e a pena aplicada será menos; por fim, se formos levados a assassínio por um sentimento de amor ferido, por ciume, o júri simpatizará connosco, e Paul, na qualidade de nosso advogado de defesa, exigirá a pena máxima. »
Quarta parte: Homo Sentimentalis
A imortalidade
Milan Kundera

Sem comentários:

Enviar um comentário