terça-feira, 25 de setembro de 2012

Página-a-página #29


«Não consigo libertar-me da ideia, disse ele, de que na vida humana a coincidência não é governada pelo cálculo das probabilidades. Quero dizer com isto que somos confrontados com acasos tão improváveis que não têm qualquer justificação matemática. Há pouco tempo, em Paris, ia eu a passar por uma rua insignificante de um bairro insignificante quando dei de caras com uma mulher de Hamburgo que via quase todos os dias há vinte e cinco anos, e que depois tinha completamente perdido de vista. Ia por essa rua porque, por engano, saíra do metro numa estação antes da minha. Quanto à mulher, tinha vindo passar três dias a Paris e não sabia onde estava. Havia uma probabilidade num bilião de nos encontrarmos! 
- Que método é que tu adoptas para calculares a probabilidade dos encontros humanos?
- E tu, conheces algum método, por acaso?
- Não. E tenho pena, respondi eu. É curioso mas a vida humana nunca foi submetida a uma investigação matemática. Vejamos o exemplo do tempo. Tenho o sonho de fazer a seguinte experiência: aplicar eléctrodos na cabeça de um homem e calcular que percentagem da sua vida consagra ele ao presente, que percentagem às recordações, que percentagem ao futuro. Poderíamos assim descobrir o que é o homem na sua relação com o tempo. O que é o tempo humano. E poderíamos com certeza definir três tipos humanos fundamentais, segundo o aspecto do tempo dominante para cada um deles. Voltando aos acasos. Como poderemos falar com fundamento sobre os acasos da vida sem uma investigação matemática? Só que, como sabes, não há uma matemática existencial.
- Matemática existencial. Belo achado, disse Avenarius, perdido na sua meditação. Depois disse: Seja como for, quer tivesse uma probabilidade num milhão ou num bilião de acontecer, o encontro era perfeitamente improvável, e é precisamente essa improbabilidade que lhe dá todo o valor. Porque a matemática existencial, que não existe, enunciaria, mais coisa menos coisa, a seguinte equação: o valor de um acaso é igual ao seu grau de improbabilidade.»

Quinta parte: O ACASO
A imortalidade
Milan Kundera

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Página-a-página #28



« Penso, logo existo é uma frase de intelectual que subestima as dores de dentes. Sinto, logo existo é uma verdade de alcance muito mais geral e que se aplica a todo o ser vivo. O meu eu não se distingue essencialmente dos vossos pelo pensamento. Muitas pessoas, poucas ideias: pensamos todos pouco mais ou menos a mesma coisa, transmitindo, tomando de empréstimo, roubando as nossas ideias uns aos outros. Mas se alguém me pisa um pé, sou eu só quem sente a dor. O fundamento do eu não é o pensamento mas a dor, o mais elementar de todos os sentimentos. Na dor, nem sequer um gato pode duvidar do seu eu único e não permutável. Quando a dor se torna aguda, o mundo desvanece-se e cada um de nós fica a sós consigo mesmo. A dor é a Escola Superior do egocentrismo. (...)». 

Quarta parte: Homo Sentimentalis
A imortalidade
Milan Kundera

Página-a-página #27


« Considera-se que a civilização europeia assenta na razão. Mas poderia igualmente dizer-se que a Europa é uma civilização do sentimento: fez nascer o tipo humano a que gostaria de chamar o homem sentimental: homo sentimentalis.
(...) Bettina pensa como Santo Agostinho quando escreve a Arnim: "Descobri um belo provérbio: o amor verdadeiro tem sempre razão, mesmo quando erra. Lutero, pelo seu lado, diz numa carta: o amor verdadeiro é muitas vezes injusto. O que não me parece tão bom como o meu provérbio. Noutro lugar, Lutero dizia, porém: o amor vem antes de tudo, antes até do sacrifício, antes até da oração. Daqui concluo que é o amor a virtude suprema. O amor faz-nos perder a consciência do terrestre e enche-nos do que é celeste; é assim que o amor nos liberta de toda a culpa."
Nesta convicção de que o amor inocenta o homem assenta na originalidade do direito europeu e da sua teoria da culpabilidade, que leva em consideração os sentimentos do acusado: se matarmos alguém a sangue-frio, por dinheiro, não temos desculpa; se matarmos alguém que nos ofendeu, a nossa cólera servir-nos-à de circunstância atenuante e a pena aplicada será menos; por fim, se formos levados a assassínio por um sentimento de amor ferido, por ciume, o júri simpatizará connosco, e Paul, na qualidade de nosso advogado de defesa, exigirá a pena máxima. »
Quarta parte: Homo Sentimentalis
A imortalidade
Milan Kundera

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Uma boa história nunca acaba #18



Becoming Jane (2007). Biografia. Drama. Romance. Jane Austen. Kevin Hood. Anne Hathaway. Filme inglês que retrata a biografia da escritora Jane Austen e o suposto romance entre ela e Thomas Lefroy. É um excelente filme não só pelo enredo como também pela sua componente inovadora e peculiar. Vivamente aconselhado a todos os que apreciam uma boa história.